Keila D C Souza
25/06/2019 18:44:41
Escrito por: Bruno César Oliveira Lopes
Resumo: A busca da Felicidade torna-se quase um dever no mundo pós-moderno e obtê-la é um desejo comum a quase todas as pessoas. Ao analisar o conceito de felicidade, focando o papel da sociedade e da cultura, a psicanálise reflete como a vida em sociedade exige sacrifícios pulsionais da ordem do desejo, causando no sujeito certo mal-estar. Com isso tem-se como objetivo desenvolver uma análise sobre o tema felicidade, evidenciando as perspectivas de Sigmund Freud, correlacionando suas ideias com as de outros autores da psicologia sócio-histórica A questão norteadora indaga em que aspectos a literatura psicanalítica dos conceitos de Freud pode contribuir na compreensão sobre as perspectivas de felicidade no mundo pós-moderno. Para tanto se utiliza como método a revisão bibliográfica com leitura e análise de obras científicas (livros, artigos e revistas), obras resultantes de videoconferências e seminários. O mundo pós-moderno perpetua um ideal ilusório de completude que leva pessoas infelizes a se portarem como se fossem felizes, por meio da busca de objetos transitórios ofertados como promotores de felicidade, mascarando o desprazer. No entanto, vivenciar ou alcançar a felicidade parece ser um desejo comum a todos os seres humanos, em todas as épocas da história, sendo que cada um escolhe o meio que interpreta como sendo o mais adequado para alcançá-la. Conclui-se que a temática da felicidade, como objeto de desejo, é pouco estudada cientificamente e não existe como um conceito já pronto e acabado, abrindo espaços para novas pesquisas acerca do tema.
Palavras-chave: Consumo, Felicidade, Psicanálise, Pós-modernidade.
Vivenciar a felicidade parece ser um desejo comum a todos os seres humanos, em todas as épocas da história, sendo que cada um escolhe o meio de vida que interpreta como sendo o mais adequado para alcançá-la.
O mundo pós-moderno é identificado em muitos aspectos por um crescente desapego nas relações interpessoais, individualismo exagerado, cultura do hedonismo e do consumismo e um desinteresse pelos fenômenos sociais, o que demarcam as subjetividades em uma realidade do consumo. Estas subjetividades, reeducadas pela velocidade das mudanças e a sobrecarga de informações do mundo pós-moderno, apresentam uma instabilidade dos desejos e uma insegurança que influem em uma busca, em um consumo constante, como forma de sustentação que lhe oferte felicidade.
A felicidade neste contexto torna-se um dever, onde diversos objetos são tomados como possibilidade para alcançá-la, perpetuando um ideal ilusório de completude numa felicidade mascarada, ou seja, ilusória, forjada em uma ideia de pronta e infinita, ressignificando valores como o amor, fé e amizade. Frente a tantos ideais novos, diversos tipos de objetos são ofertados como sendo aqueles que proporcionarão a felicidade para a atual sociedade consumista, sendo estes objetos um meio transitório de minimizar o desprazer.
O prazer é, sem dúvida, a essência básica da felicidade advinda da realização de desejos e da alegria experimentada. Contudo, nem sempre quando um sujeito experimenta prazer, através de algum objeto que investiu, sente um bem-estar, podendo esse sucesso ser algo penoso, porém mantido para que assim esse sujeito possa estar inscrito socialmente e consumindo o que os demais consomem.
Diante de tantas formas simbólicas com que o mundo pós-moderno oferta a felicidade correlacionando-a com o prazer, problematiza-se de que forma a literatura psicanalítica dos conceitos de Sigmund Freud pode contribuir na compreensão das
perspectivas de felicidade no mundo pós-moderno? Partindo desta problemática tem-se como objetivo desenvolver uma análise sobre o tema felicidade, evidenciando as perspectivas de Freud com suas possíveis aplicações, correlacionando as ideias dos autores com outros da psicologia sócio-histórica.
Pesquisar a temática da felicidade sob o olhar da psicanálise é um estudo em que, além de correlacionar as maneiras e motivos pelos quais a felicidade é buscada atualmente, com base em algumas ideias desenvolvidas por Freud, provocaria a reflexão sobre o que pode existir como fragilidades nas perspectivas atuais de felicidade, considerando a atitude de consumismo da sociedade pós-moderna.
Metodologicamente, esta pesquisa classifica-se como sendo bibliográfica, ocorrendo através de leitura e análise de obras científicas (livros, artigos e revistas), obras resultantes de videoconferências e seminários, aprofundou-se e sustentou-se teoricamente a temática da felicidade, posta em questão, com base em autores como Sigmund Freud, Leonardo Gorostiza, Eric Laurent, Zigmunt Bauman, Gilles Lipovetsky, André Lèvy et. all, além de serem disponibilizados diversos artigos em formato eletrônico e da contribuição da psicologia sócio-histórica e da filosofia, com obras que abordam algumas perspectivas filosóficas sobre a felicidade.
A fim de melhor explanar a temática proposta, este trabalho foi dividido em três capítulos. No primeiro capítulo desenvolve-se um breve estudo semântico sobre a palavra felicidade e a relação que pode ser estabelecida entre os conceitos elaborados pelos estudos filosóficos e estudos da pós-modernidade.
No segundo capítulo é abordada a influência sócio-histórica no tema da felicidade, partindo da visão de alguns filósofos, que descreveram suas interpretações sobre o que consideravam como meio adequado de se vivenciar a felicidade.
Já no terceiro capitulo retrata-se a busca da felicidade pelo viés da psicanálise, utilizando-se de algumas ideias de Sigmund Freud e alguns de seus seguidores sobre o tema; em seguida aborda-se a contribuição de autores da psicologia sócio-histórica para este estudo. Por fim explana-se sobre o mundo pós-moderno, descrevendo a forma como nossa atual sociedade está estruturada propondo-se uma reflexão na perspectiva analítica sobre a forma consumista como a felicidade é vivenciada atualmente.
Considera-se que tanto a psicanálise como a psicologia sócio-histórica se usadas separadamente para desenvolver o tema da felicidade, seriam insuficientes para tratar dessa questão no âmbito da sociedade globalizada, mas à medida que forem correlacionadas, pode-se com elas analisar alguns pontos que dizem respeito à complexidade do assunto e contribuir socialmente com o tema fomentando uma quantidade maior de estudos.
No entanto, a temática da felicidade, transformada em objeto de desejo, é pouco estudada cientificamente, existindo por diversas perspectivas socioculturais do senso comum. Com relação à psicologia e sua tarefa de auxiliar o sujeito em suas questões, considera-se relevante entender como funciona a dinâmica da felicidade atualmente; em que consiste essa felicidade e as possibilidades de alcançá-la; como ela é experienciada e se o que se denomina bem-estar é sinônimo de ser feliz; além de cultivar a invenção de novas saídas que possibilitem às pessoas serem felizes mesmo com grandes adversidades, questões que podem ser abordadas pela psicologia com base na psicanálise e psicologia sócio-histórica.
Espera-se que um trabalho de análise deste tipo possa não apenas esclarecer sobre o tema em questão, mas provocar novos questionamentos a fim de que se ampliem as pesquisas e interesse dos leitores e sujeitos implicados com essa inquietude, que é a busca pela felicidade.
Estabeleceu-se como um ponto inicial para o desenvolvimento deste trabalho, a abertura de um questionamento sobre a felicidade e como ela é definida, deparando-se assim com uma complexidade de significações dadas a este termo, que se diversificam de acordo com aspectos latitudinais e longitudinais [1], situados a nível individual e coletivo.
Em qualquer estudo que se realize é necessário considerar o contexto sócio-histórico e cultural para que se possa apreender mais fidedignamente a realidade do objeto de estudo, e não seria diferente para este termo. Sendo assim diante da complexidade e amplitude de significações de felicidade, opta-se por desenvolver um estudo da semântica da palavra, partindo de sua definição.
O termo felicidade segundo o dicionário eletrônico Michaelis sf (lat felicitate) refere-se ao “Estado de quem é feliz. Ventura. Bem-estar, contentamento. Bom resultado, bom êxito. F. eterna: bem-aventurança. Em Latim, a palavra felix (genitivo felicis) queria dizer - originalmente - "fértil", "frutuoso" ("que dá frutos"), "fecundo". Mais tarde felix tornou-se sinônimo de "afortunado", "alegre", "satisfeito". [2]
Estabelecida como um “estado”, pode-se situar a felicidade como uma condição ligada a uma situação vivenciada. Neste sentido, atribui-se a esta condição um efeito prolongado, ou mesmo de plenitude, ou seja, ser feliz é, segundo esta concepção, estar completo permanentemente. A Felicidade neste sentido apontaria para um aspecto divino, em concordância com a filosofia de felicidade perfeita apresentada por Aristóteles, que será tratada em capítulo posterior.
Porém, de acordo com a psicanálise, o ser humano é um ser de falta, logo, busca a felicidade almejando uma completude imaginária, impossível de se obter em concretude: “Somos feitos de modo a só podermos derivar prazer intenso de um
contraste, e muito pouco de um determinado estado de coisas que perdure” [3]. Passível de manifestação, a felicidade pode ser experimentada, mas sua permanência é uma ilusão. Este conceito psicanalítico será melhor explanado no decorrer deste trabalho, visto a psicanálise ser o aporte teórico de maior peso nesta pesquisa.
Ainda com base no significado da palavra felicidade, a satisfação do desejo, também incluída como um aspecto pertinente ao termo, é sem dúvida o cerne da questão para a visão psicanalítica: A satisfação é o alívio da tensão psíquica que se apoia em uma necessidade real do sujeito, e lhe confere a sensação de prazer ao ser realizada [4].
Para que seja melhor compreendida esta visão, propõe-se o mesmo estudo semântico partindo para palavra satisfação, que no dicionário eletrônico Priberam [5] é definida como: “ato ou efeito de satisfazer, saciar, agradar; alegria; contentamento; prazer”. Como um ato ou um efeito de satisfazer, pode-se estabelecer que o que está sendo satisfeito pode ser tanto um desejo quanto uma necessidade. Sendo assim, está contente quem se satisfez. Se a mesma satisfação não leva o sujeito a um contentamento, pode ser que a necessidade satisfeita não chegou ao nível do que era desejado. O desejo aí, então insatisfeito, gera um descontentamento mesmo com a satisfação de uma necessidade.
Se o sujeito está contente com aquilo que realizou, diz-se então que está alegre, ou seja, manifesta contentamento, júbilo, e esta alegria, um tipo de ação feliz, embora não seja a felicidade, é sua forma de se expressar. Apesar de haver uma relação entre elas, “a felicidade e a alegria, não são a mesma coisa”: A alegria é uma expressão, uma felicidade cortada, uma parte em relação com o real. [6]
A felicidade em que o sofrimento e a inquietude estão ausentes é imaginariamente buscada pelo ser humano que, movido pelo principio de prazer, ou seja, experimentar prazer e afastar o desprazer se relaciona ao caminho proposto por outro filósofo, Epicuro, no que ele chamou de aponia e ataraxia, conceituados no próximo capítulo. Contudo, sabe-se que uma vida sem sofrimento algum não existe, pois as adversidades que a natureza, o corpo e as relações interpessoais nos impõem, são as mais diversas, e a inquietude que isto provoca proporciona à raça humana um movimento em busca de melhoria individual e coletiva [7].
A felicidade atribuída a um tipo de bem-estar espiritual ou paz interior é costumeiramente evocada pelo discurso religioso, que religa o ser humano a uma força superior designada pelo nome de “Deus”. Dessa forma a religião, estabelecida para religar o sujeito com uma onipotência, provoca um “sentimento oceânico”, então significado como completude, bem-estar e paz interior. Dessa forma o sujeito poderia ser feliz através do domínio e restrição de suas paixões por uma conduta religiosa, ou de outra forma, pela quietude vivenciada por um isolamento voluntário ou pela prática meditativa da ioga [8].
Observa-se que o cuidado com o bem-estar e a paz interior segue a orientação de cuidado com a alma em primeiro lugar, proposto inicialmente pela filosofia de Sócrates e não distanciada da filosofia de Aristóteles, também trabalhadas posteriormente. A mediania, os valores morais e a atividade contemplativa propostos por Aristóteles, em especial esta última, que cunhava ao homem algo de divino, se comparadas aos valores e condutas assumidos pelos religiosos, podem ser colocados como as ideias geradoras da moral religiosa e da felicidade obtida desta forma.
Continuando com o estudo semântico da palavra felicidade, no dicionário Priberam está como: “concurso de circunstâncias que causa ventura, estado de pessoa feliz, sorte bom êxito, bem aventurança” [9]. No sentido de bem aventurança, pode-se considerar que seja “um risco bom”, já que ventura designa “sorte, acaso, risco”, ou seja, aventurar-se, poderia ser interpretado como se sujeitar ao acaso, ao risco. Atribuir à felicidade uma sujeição ao acaso, é retirá-la do âmbito de algo que se obtém com esforço e conferi-la um caráter “Mágico”: “O que podemos alcançar, por méritos e esforços, não pode nos tornar realmente felizes. Só a magia pode fazê-lo” [10].
No dicionário Priberam [11]encontra-se os seguintes significados para a palavra magia: “religião dos magos, ato ou efeito extraordinário, fantástico, encantador, surpreendente”. Um ato ou efeito extraordinário pode ser interpretado como algo extra-ordinário, ou seja, algo além da ordem, a mais que o estabelecido; fantástico, de uma ordem fantasiosa, imaginativa; encantador, algo belo, sedutor, prazeroso e surpreendente, que incita a surpresa, ao não esperado, não sabido, súbito.
Essa felicidade obtida da magia é uma satisfação não apreensível em palavras, advinda de um acaso em acordo com o real do desejo e a realidade externa. A magia neste sentido pode ser entendida como algo vivido em uma situação não esperada, de forma súbita, que vai além do que se poderia viver naquele momento e que de fato é belo e prazeroso, pelo acordo que se faz entre a realidade e o real do desejo. Essa felicidade é a realização de uma fantasia do sujeito, um bom encontro com algo que o remete ao Objeto a [12], em sumo: a felicidade acontece.
Deve-se, no entanto, considerar que retirá-la do âmbito de algo que se obtém com esforço e permitir que ela aconteça não quer dizer que nenhuma ação deva ser tomada pelo sujeito na direção de uma vida feliz, dessa forma a infelicidade pode ser vivenciada quando um único caminho em direção a satisfação é constantemente frustrado: “Qualquer escolha levada a um extremo, condena o indivíduo a ser exposto a perigos, que surgem caso uma técnica de viver, escolhida como exclusiva, se mostre inadequada” [13].
Pode-se perceber a partir deste estudo semântico da felicidade, que a cada tentativa de definí-la, outras tantas palavras são evocadas, demonstrando a cadeia significante [14] que forma e confere um sentido à palavra.
Descreve-se a felicidade como um objeto de desejo humano transformada em um bem material que pode ser alcançado pela realização de determinados papéis sociais e pelo consumo de determinados objetos, uma felicidade perfeita e pautada no prazer, difícil de ser questionada já que se obtém prazer de diversas formas.
Como um ideal advindo do senso comum, essa felicidade mascarada, alcançada por meio de objetos investidos de valor subjetivo, demonstra a fragilidade da ideia de completude e de onipotência de uma felicidade perfeita, o que abre a possibilidade de se encontrar uma felicidade que seja real, de acordo com a fruição momentânea que se faz pelo caráter transitório tanto do objeto quanto do prazer.
O pensamento socrático influenciou a maior parte dos filósofos gregos que apresentavam suas filosofias como “mensagens de felicidade” [15], e estabelecia que a felicidade, termo chamado de “eudaímonía”, significando uma vivência sob a influência de um espírito bom [16], não viria das coisas exteriores nem do culto ao corpo, e nenhum destes deveria ser melhor cuidado pelo homem do que a sua alma, único meio pelo qual seria possível atingí-la.
Sócrates acreditava que uma pessoa virtuosa é feliz, entendido no sentido de que não sofreria com os males da vida nem com a morte:
[...] porque os outros podem danificar-lhe os haveres ou o corpo, mas não arruinar-lhe a harmonia interior e a ordem da alma. Nem na morte, porque, se existe um além, o virtuoso será premiado; se não existe, ele já viveu bem no aquém, ao passo que o além é como um ser no nada. [17]
Aristóteles coloca a felicidade como o fim último dos atos humanos e que para se chegar a ela, é necessário viver segundo a razão. Toda a ação segundo ele, “tem como objetivo um bem qualquer, por isto tudo tende ao bem” [18], havendo “coisas boas em si mesmas e coisas úteis que dependem de algo mais” [19].
De acordo com essa forma de se pensar esse bem proposto por Aristóteles, nem tudo poderia ser entendido como um bem em si mesmo, como por exemplo, no sentido de uma ação como roubar, o sujeito dessa ação almeja o bem que esse ato pode lhe proporcionar, à custa de um prejuízo a outrem, e esse bem especificamente relacionado a quem age é um tipo de ação que poderia levar a uma sensação de prazer, entendida por este sujeito como um caminho para a felicidade.
Questiona-se o que poderia ser uma coisa boa em si mesma e opta-se por pensá-la como algo que não poderia ser retificado de tal valor, pois traz uma utilidade inquestionável, relacionando-se assim de forma direta a tudo aquilo que garante a vida e a sobrevivência da espécie.
Para se estabelecer um caminho que solucione tal problemática a partir da filosofia aristotélica, é necessário que se tomem as virtudes por ele propostas, como forma de conjugar o que seria um bem em si mesmo, para o sujeito e para o seu meio. Propondo dois tipos de virtudes, as intelectuais e as morais. Aristóteles estabelece que, a primeira nasce e cresce por meio do ensino, e que as virtudes morais se concretizam através do hábito e não da natureza.
Contudo, pensa-se que ambas as virtudes descritas por Aristóteles como um possível caminho para uma vida digna e feliz, são frutos do ensino e do hábito. Nenhuma atividade intelectual se desenvolve naturalmente, assim como se pode observar nas virtudes morais, estabelecidas como hábitos.
O exercício seria o meio proposto por Aristóteles para se adquirir virtudes, sendo que as mesmas eram entendidas por ele como “disposição de caráter relacionada com a escolha de ações e paixões, e consiste numa mediania (...) é um meio termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta”.[20] Esse meio termo proposto e usado frente às ambiguidades da vida sempre direcionam ao que é justo, à “justa medida, segundo a qual se distribuem os bens, as vantagens, os ganhos e se administra a política”.[21]
Outro aspecto ressaltado em direção à felicidade é a amizade, que segundo Aristóteles, “é uma virtude ou implica a uma virtude, e, além disto, é de suma necessidade na vida humana”.[22] Para Aristóteles a felicidade é autossuficiente e todo ser humano a busca como um fim em si mesmo, sendo, portanto, uma atividade da razão, onde o homem não se resume a ela, possuindo “algo de estranho à razão, que a ela se opõe e resiste, mas que, no entanto, participa da razão” [23].
De acordo, ainda com o pensamento do autor antes citado, o homem seria capaz de dirigir seu lado impetuoso pela virtude adquirida pelo hábito, repetindo sucessivamente os atos que conduzem a uma justa medida, que “tem a ver com paixões e ações, nas quais o excesso e a falta constituem erros e são censurados, ao passo que o meio é louvado e constitui retidão”. [24]
Pode-se notar ao realizar a leitura sobre sua filosofia, que Aristóteles almejava a perfeição do homem através da perfeição de sua alma racional, cunhando o termo “virtude dianoética” [25] para designar a sabedoria, que consiste na escolha daquilo que é bem ou que é mal para o homem e as formas que ele se utilizará para realizá-lo, e a sapiência, ou seja, o conhecimento de uma realidade superior que aproxima o homem de sua essência divina.
Exercitando sua sapiência o homem alcançaria a perfeição de sua atividade contemplativa, sendo esta, portanto, sua felicidade perfeita, uma atividade da razão que almeja um fim em si mesmo e obtém prazer por tal, autossuficiente e que não gere cansaço. Quando tudo isto cobre a vida do homem em toda a sua duração, sem que os aspectos que estruturam a felicidade estejam incompletos, ele possui a perfeita felicidade. “Mas uma vida desse tipo seria muito elevada para o homem: com efeito, ele não viverá assim enquanto homem, mas enquanto há nele algo de divino”. [26]
A ideia de completude e de onipotência divina que se evidencia pelo discurso aristotélico como felicidade perfeita se associa a um tipo de emoção, por ele denominada prazer, que passa a ser tomada como o verdadeiro bem a ser realizado, o verdadeiro caminho para a felicidade.
A filosofia grega tem em Epicuro de Samos, outro estudioso sobre a felicidade. Tendo no prazer o bem que direciona à felicidade, o referido filósofo funda a primeira escola helenística em Atenas por volta do fim do século IV a.C., e estabelece um novo discurso que ousou revolucionar as escolas de Platão e Aristóteles, que embora estivessem próximas cronologicamente, haviam deixado de se apresentar como algo novo a dizer.
Com sua compreensão revolucionária da realidade, entende-se que Epicuro demonstra que, embora o homem tenha bens exteriores que se fazem necessários ou supérfluos, a verdadeira felicidade vem de dentro dele indicando um caminho novo para alcançá-la. À primeira vista, não seria assim uma grande novidade, visto que essa mensagem foi também exposta por Sócrates, ao enfatizar o cuidado com a alma, e por Aristóteles, ao propor a mediania e as virtudes morais.
O que há de novo no discurso epicurista, é que a felicidade estando sempre e somente no homem confere valor maior à vida material, bastando pouquíssimo para mantê-la, um pouco que proporcionaria prazer e que está disponível a todos, sendo assim todo o resto vaidade e excesso de desejos. Escolhendo um jardim no subúrbio de Atenas, afastado da vida pública e delegando grande importância ao silêncio e ao campo do qual era próximo, Epicuro dizia: “livremo-nos amplamente do cárcere das ocupações cotidianas e da política” [27], para viver separado da multidão e da vida pública.
A política, que em si, é algo não natural, comprometeria a felicidade ao ser fundamentada em desejos de poder, fama e glória, iludindo o homem e o levando a um caminho de dores e perturbações, e assim Epicuro orientava: “retira-te para dentro de ti mesmo, sobretudo quando és constrangido a estar entre a multidão”. [28]
Os seguidores de Epicuro chamados de “os filósofos do jardim” passaram a ser conhecidos como os epicuristas e pregavam que a realidade é apreensível e penetrável pela inteligência humana, existindo assim espaço para a felicidade, que seria a ausência de dor e perturbação conseguidas pela autossuficiência do homem, tendo no prazer seu bem máximo. O caráter materialista da filosofia epicurista, que estabelecia essa autossuficiência, delegava uma igualdade a todos, pois a busca pela paz de espírito seria algo de comum e todos poderiam atingí-la se quisessem.
Nesse sentido o jardim comportava a todo tipo de homem que estivesse em busca de sua felicidade, não importando se era nobre ou não, bastando que soubessem retirar prazer das pequenas coisas e de que não causassem conflitos de ideias. Os epicuristas negavam toda a transcendência demarcando a fé no materialismo através de sua física epicureia, embasada na perspectiva dos atomistas pré-socráticos. A partir deste embasamento consideravam que "a alma, como todas as outras coisas, é agregado de átomos [...] Portanto, como todos os outros agregados, a alma não é eterna, e sim mortal".[29]
A verdadeira felicidade, pautada no prazer, viria a ser a “ausência de dor no corpo (aponia) e a falta de perturbação da alma (ataraxia)” [30], e não ao prazer desregrado que alguns difundiam em detrimento de uma razão que aprofunda as motivações e escolhas, rejeitando futilidades e prazeres fugazes que apenas trariam dores e perturbações.
Sendo assim Epicuro definiu os tipos de prazeres aos quais o homem estava submetido na vida como: (1) naturais e necessários - são os que diretamente conservam a vida como comer, beber, dormir, excluindo deste grupo o prazer do amor, atribuído como fonte de dor e perturbação; (2) naturais, mas não necessários – apenas variações do primeiro grupo como comer, beber, e vestir-se de formas mais refinadas; e (3) prazeres não naturais e não necessários – que são os prazeres fruto dos desejos humanos por poder, riquezas, glórias e luxúrias. [31]
A filosofia de Epicuro enfatizando a busca do prazer e o afastamento da dor delegou ao homem à tarefa de ser feliz à maneira mais simples e natural, não temendo ou esperando a intervenção divina, sem correr riscos ambiciosos ou mesmo se envolvendo com sentimentos mais profundos como o amor.
Essa perspectiva filosófica admitia a amizade, partindo do pressuposto que o homem ao se interiorizar, se individualizava de tal forma que ele se bastava, e assim poderia estabelecer um laço livre com um outro que lhe fosse semelhante na maneira de viver. A amizade entre indivíduos que se bastam era pautada numa utilidade, almejando determinadas vantagens até que, pela utilidade se fazer de forma prazerosa, o amigo seria o maior bem que a sabedoria buscava para se alcançar uma vida feliz.
Como se pode perceber desde a antiguidade filosófica, a felicidade é transformada em um sentimento que se caracteriza como um objeto de desejo humano, sendo estabelecida como um bem alcançado pelo cuidado que o homem tem com sua alma, com as virtudes que possui e os meios que escolhe para alcançá-la, sendo, portanto, a felicidade o fim último dos atos humanos.
A ideia de completude e de onipotência que se evidencia pelo discurso aristotélico como felicidade perfeita correlacionada à ideia epicurista de felicidade pautada no prazer, estando sempre e somente no homem, podem ser estabelecidas como base de uma cultura hedonista e consumista, que demarcam as subjetividades nesta realidade do consumo.
A felicidade, pautada no prazer, como uma “ausência de dor no corpo (aponia) e a falta de perturbação da alma (ataraxia)”, serve como uma das bases para o que este estudo aponta como uma felicidade mascarada, ou seja, ilusória, forjada numa idéia de pronta e infinita. Ainda neste estudo, a busca da felicidade, correlacionada com a obtenção do prazer, a partir de alguns conceitos de Freud em correlação com a psicossociologia, é analisada sob um ponto de vista crítico, apontando algumas das incoerências que podem ser observadas na ideia de felicidade plena, que tem por base influências tanto filosóficas quanto socioculturais, fortalecidas pelos avanços da pós-modernidade e que será tratado a seguir.
É possível considerar que desde os primórdios da história da humanidade o tema de maior importância subjacente às diversas atitudes do ser humano é a busca da felicidade. Essa busca move a humanidade a estudar, trabalhar, crer e realizar coisas, formar vínculos afetivos e depois continuar a agir quando surge uma nova necessidade. É a necessidade que leva o homem a modificar a natureza, formando os objetos, ou seja, o produto de sua força de trabalho:
A satisfação material das necessidades dos homens e mulheres que constituem a sociedade – obtêm-se numa interação com a natureza: a sociedade, através dos seus membros (homens e mulheres), transforma matérias naturais em produtos que atendem às suas necessidades. Essa transformação é realizada através da atividade a que denominamos trabalho. (NETO, 2007, p.30).
É o trabalho que torna possível a produção de qualquer bem, criando os valores que constituem a riqueza social, ao longo da história da humanidade, modificam-se as formas de trabalho e da vida social e, por conseguinte, um dos motivos pelos quais o sujeito em busca da felicidade pode ter dificuldade em alcançá-la deve-se ao fato de que o termo é utilizado de modo e perspectivas diferentes ao longo do tempo, o que torna algo valorizado em um período não mais em outro.
Na Grécia antiga, dentre os filósofos que se ocupavam em refletir sobre o mundo sensível, a existência e as atitudes humanas, houve aqueles que se propuseram a refletir sobre a temática do presente trabalho, e somente a partir de Sócrates, é que a busca da felicidade tornou-se algo que, segundo ele, poderia ser atingido vivendo como os deuses, evitando os vícios e assimilando virtudes. Sócrates e os filósofos que lhe sucederam transformaram a felicidade em um objeto de uma busca racional que poderia ser alcançado pelo cultivo das virtudes que podem levar a ela.
Para os religiosos a felicidade estava fora deste mundo, pois a graça de Deus está em um mundo superior destinado aos bons. Desde a expulsão do paraíso, o homem está fadado ao sofrimento neste mundo: o máximo a que ele pode almejar, segundo Santo Agostinho, é a “felicidade da esperança".
Com o Renascimento a ideia grega de que se pode conquistar a felicidade é retomada e radicalizada: ela é um estado natural, até mesmo um direito do homem, mas, somente com o Iluminismo, no século XVIII, a felicidade passou a ser algo a que todo ser humano poderia aspirar e a mesma passou a ser encarada como um direito humano atingível por qualquer pessoa. A felicidade deixou de estar ligada aos deuses, ao destino ou à sorte e passou à noção de que os homens teriam o poder de obter e concretizá-la na terra a partir de suas próprias iniciativas, e de que não havia problema em sentir prazer.
No período medieval, o trabalhador artesão é quem detinha o controle do processo de produção, estabelecendo, por exemplo, sua jornada de trabalho. Com as diversas transformações que vão ocorrendo nesta época, em especial, com a revolução industrial, essa autonomia do trabalhador foi perdida. Paralelamente à revolução industrial, as ideias políticas, econômicas e sociais dos séculos XVI a XVIII passaram a ser questionadas, possibilitando transformações que ocorriam de forma muito rápida com o triunfo das ideias iluministas, uma verdadeira revolução intelectual que se espalhou pelo mundo repercutindo até os dias atuais.
O período que marcou a transição do feudalismo para o modo de produção Capitalista, chamado de moderno, assinala uma grande transformação no padrão de vida dos indivíduos, que culmina na urbanização e sua expansão, aumento das comunicações entre as nações e o império da demanda, ou seja, a lei da oferta e da procura que sustenta o que chamamos de mercado.
Esse modo de produção já vai se fortalecendo desde a baixa idade média quando começa o comércio entre os europeus e orientais, além das descobertas marítimas, que ampliam o encontro entre os povos; os campos vão sendo abandonados, o comércio artesanal progride, as cidades burguesas oferecem chances de lucros, inventos impulsionam o progresso técnico, como a bússola, pólvora e a imprensa: tem-se assim o início da vida urbana dando os primeiros indícios de uma nova era mundial.
Já no século XX, a partir da década de sessenta, grandes produções culturais e transformações revolucionárias eram expressas em várias partes do mundo,por exemplo, no movimento de maio de 1968 na França, que questionou a separação entre revolução social e revolução dos comportamentos individuais, e nos EUA, com o surgimento de grupos como o movimento Yippie (Youth Internacional Party) um movimento que representava o “crescimento híbrido de esquerdista e de hippie, diferente tanto de um quanto do outro, algo inteiramente novo” [32].
No Brasil, ainda durante os anos sessenta, um movimento cultural, chamado de Tropicália ou Movimento Tropicalista, atribuída à produção cultural, como as artes plásticas, o cinema e a música, não pôde deixar de incorporar os elementos estrangeiros que esta mesma sociedade incorpora [33].
Estas condições não deixaram de ser contundentes com a evolução tecnocientífica e ao que parece tamanho avanço trouxe novas formas de sofrimento, ao invés de remediar os já existentes. Mas o desejo de felicidade habita o íntimo do ser humano em todas as épocas, e agora não seria de outra forma. O trabalho, ou seja, a força de produção do sujeito utilizada para a obtenção dos objetos demandados e que são ofertados pelo mercado, é o motor da sociedade ao mesmo tempo em que é movida por ela, o que caracteriza um movimento cíclico de oferta e procura, de necessidades não satisfeitas e suplência das mesmas através de objetos investidos de valor subjetivo, pelos quais o sujeito age em valor do significado que tem para si [34].
Ao poder fantasioso e autônomo, designado por este valor subjetivo que as mercadorias parecem ter e efetivamente exercem em face de seus produtores, Marx chamou de fetichismo da mercadoria, onde esses dispositivos simbólicos mediam as relações sociais aparentando relações entre coisas: os homens são valorizados pelo que tem [35].
A demanda, proposta como base de sustentação social, adquire duas perspectivas: A econômica, que se evidencia por uma demanda de um objeto material possível de ser adquirido numa relação de troca, entre o que é ofertado e a força de produção de quem demanda; e a psicológica, que não se faz evidente, mas expressa os desejos, as carências e necessidades do sujeito, ou seja, tudo aquilo que lhe falta. Neste sentido, tudo o que é demandado comporta as duas perspectivas, sendo que inclui através de um objeto material a suplência de uma necessidade ou de um desejo. [36]
Sendo assim, para aumentar a capacidade de consumo, ou seja, a obtenção dos objetos que suprem as necessidades dos sujeitos, deve haver continuamente novas alternativas que possibilitem obtenção de prazer com isso buscando-se a felicidade. Este período de transição, evidenciado especialmente na segunda metade do século XX, que se refere à uma realidade mais intensa, dinâmica e acelerada, de quebra das fronteiras entre os povos, aumento nas relações de mercado e o estabelecimento de uma sociedade em rede, denomina-se globalização. [37]
Há, nesta globalização, um processo de enfraquecimento das instituições tradicionais e dos quadros de referência que ligavam o sujeito ao seu mundo social e cultural, o que alteraria as noções de tempo e espaço, considerando a questão de que os sujeitos a partir de então tem vivido contra o relógio, onde não há mais tempo a perder. Cada vez mais ocupados, a passagem do tempo traz angustia na medida em que diversas tarefas têm que ser cumpridas em uma agenda cada vez menos vazia, instalando um paradoxo: agenda cheia de conteúdo, subjetividade vazia de sentidos e propósitos estáveis.
Por outro lado essa mesma alteração do tempo leva a uma idéia de que ele não passa, é infinito. O que se vê aí é algo da ordem de uma adolescência que não se finda, um culto à juventude e ao prazer desalojando o sistema social tradicional e fazendo surgir uma grande quantidade de representantes de poder.
Sem uma direção estável que o oriente, o sujeito entra em crise de sentido e sofre frente à insegurança de não saber o que escolher dentre tantas opções em sua busca pela felicidade: antes a segurança era possível visto que o sujeito abria mão de sua satisfação, adiava-a, em prol da estabilidade. Com tamanha liberdade isto se inviabiliza já que há uma individualidade marcante, torna-se um “cada um por si”, um “individualismo irresponsável” [38].
Como a estabilidade vem perdendo forças para a liberdade, isto se relaciona ao enfraquecimento do modelo de instituição patriarcal, em outras palavras, à falência do pai: é um modo de falar da falência do modelo totêmico característico de uma sociedade vertical, pai-orientada. Se há uma variedade de modelos de referência, há uma variedade de formas de identificação, que por sinal envolvem também uma variedade de formas de desejo. O fato de livrar-se do pai totêmico implica em se livrar do representante que funda o limite, abrindo uma perspectiva fantasiosa de ilimitação do prazer.
A busca da felicidade como um projeto comum, vai ganhando através da globalização e dos objetos que são oferecidos atualmente, um aspecto religioso, sagrado e inatacável: assim, qualquer que seja o meio que ofereça a felicidade a um sujeito pode atrair, inspirar e unir à outros que partilham dessa mesma ilusão, por meio de dispositivos simbólicos que funcionam encobrindo toda dúvida, todo trabalho de interrogação sobre si, transformando-se logo em um ato de crer.
Porém, a felicidade obtida pelo caráter transitório tanto do objeto quanto do prazer, está em acordo com o real do desejo e a realidade externa sendo muitas vezes a realização de uma fantasia do sujeito, ou seja, é preciso considerar questões psíquicas como o tempo curto de vivência do prazer e a necessidade real de satisfação do desejo de ser feliz, compreensão esta que será apresentada no próximo capítulo.
Como foi visto no primeiro capítulo, uma cadeia significante confere um sentido a uma palavra, e analogamente, uma cadeia significante confere um sentido a um sujeito. Sendo assim, o que os sujeitos buscariam na vida ao atribuir um sentido a si e aos objetos seria
Obter felicidade; querem ser felizes e assim permanecer. Essa empresa apresenta dois aspectos: uma meta positiva e uma meta negativa. Por um lado, visa a uma ausência de sofrimento e de desprazer; por outro, à experiência de intensos sentimentos de prazer. Em seu sentido mais restrito, a palavra ‘felicidade’ só se relaciona a esses últimos [39].
Para Freud (1996), a felicidade consiste na satisfação casual de grandes necessidades, possível sob uma forma transitória e episódica, que não exclui da vida do sujeito adversidades, pelo contrário, reserva-lhe uma miséria comum e cotidiana, característica da condição humana que nada tem a ver com um propósito divino.
A perspectiva de Freud sobre a Felicidade parte de sua leitura em sua juventude ou mais tarde, na maturidade, de filósofos como Platão e Aristóteles, Michel de Montaigne, Schopenhauer e Nietzsche. De certa forma todos esses filósofos atribuíam à vida desafios de diversas ordens que confrontavam o homem com a frustração, sofrimento e decepção a partir do momento do nascimento, deixando cicatrizes que são impossíveis de apagar [40].
Frente às formas de sofrimento passa-se grande parte do tempo em busca de alívio e Freud, dividiu em três categorias os mecanismos que normalmente usa-se para alcançá-lo: desviar do sofrimento, pelo trabalho e atividade intelectual; satisfações substitutivas através da arte e entretenimento; substâncias tóxicas que minimizam ou insensibilizam à dor [41].
Na visão freudiana a felicidade é um objetivo complexo visto que três fontes de insatisfação seriam contundentes na vida das pessoas: a saúde e finitude do corpo, o mundo exterior (causas naturais) e as relações interpessoais com outros, sendo esta última a mais incisiva.
Não admira que, sob a pressão de todas essas possibilidades de sofrimento, os homens se tenham acostumado a moderar suas reivindicações de felicidade - tal como, na verdade, o próprio princípio do prazer, sob a influência do mundo externo, se transformou no mais modesto princípio da realidade -, que um homem pense ser ele próprio feliz, simplesmente porque escapou à infelicidade ou sobreviveu ao sofrimento, e que, em geral, a tarefa de evitar o sofrimento coloque a de obter prazer em segundo plano. [42]
Para se obter prazer é necessário se satisfazer através de um objeto que foi investido, chamado de objeto de investimento. O objeto investido conduz à satisfação quando pode ser fruído, contudo, é uma fruição temporária, visto que tanto o objeto quanto o prazer obtido através dele, são evanescentes. O desejo, contudo, é contínuo. É necessário que haja um objeto que seja contínuo como o desejo, que possibilite a satisfação que também deve ser contínua. Como essa ideia de ilimitação é uma ilusão, o objeto desejado nunca se fará real, então destitui-se o valor dos objetos reais pela parcialidade com que se obtém prazer através deles. [43]
De acordo com a psicanálise a experiência de satisfação que o sujeito vivencia parte da relação entre o desprazer e o prazer que “consistem no aumento e na diminuição de tensão [44]”, ou seja, o aumento da tensão psíquica é desprazeroso e o alívio da mesma é o prazer. Este prazer ao qual a psicanálise se refere não diz respeito somente a sensação de alívio que se experimenta na redução da tensão psíquica, ou seja, na satisfação que se obtém através do objeto investido; implica em um estado de tensão tão baixo que almeja sua própria ausência.
Esta ausência de tensão psíquica, ou seja, de desprazer, levaria o organismo de volta a um estado inanimado, sem sofrimento, o que sugere, portanto, que a própria vida traz consigo certa quantidade de desprazer. Neste sentido, Freud instaura mais uma ferida narcísica: a felicidade plena é uma ilusão. Porém, ao assinalar essa realidade ele abre a possibilidade de se encontrar uma felicidade que seja real, de acordo com a fruição momentânea que se faz pelo caráter transitório tanto do objeto quanto do prazer.
Sendo assim, parafraseando Freud, “o valor da felicidade é o valor da escassez no tempo”, já que se experimenta um prazer transitório em um objeto também transitório, não há ilusão maior do que a de querer que ambos sejam infinitos: A felicidade está em se fruir do seu prazer até que o mesmo acabe, restando apenas o desejo.> [45]
Fruir desse prazer se deve ao encontro com o objeto possível de realizar a descarga, e não há objeto preciso para isso: no entanto, há uma fantasia de como esse objeto possa ser para que o prazer obtido através dele seja satisfatório. O encontro com o objeto de desejo fantasiado nem sempre é possível, mas a pulsão que se presentifica sempre encontra um meio possível de descarregar: o sujeito é sempre feliz, não importando a forma como sua pulsão encontra essa felicidade libidinal.[46]
O superego “exerce não somente uma função crítica e normativa, mas, também, revela-se como base de todo ideal humano” [47], é determinado pela cultura, mediante a força de seu impulso e da integralidade e rigidez que foi constituído, conduz o sujeito do discurso à felicidade ou infelicidade.
Considerando-se primeiro a infelicidade, mais fácil de ser percebida, pois gera desprazer, diante da frustração de seu desejo, da perda do objeto ou da finitude tanto do prazer como do objeto, o sujeito do discurso pode ser levado à infelicidade, pois não tem mais o meio de obt